quinta-feira, 14 de junho de 2007

Hegel e o homem histórico


A articulação das figuras do “homem histórico” e da “astúcia da razão” na Filosofia da História de Hegel

    Hegel em seu texto sobre a Filosofia da História expõe que a história do mundo está sob o domínio do Espírito, e no mundo se bifurca duas naturezas, a física e a psíquica; mas é o Espírito que se coloca como matéria da história, o reino do Espírito, pois, está naquilo que é apresentado pelo homem, tudo que está relacionado aos interesses humanos, Hegel diz então que, o homem é a criatura na qual o Espírito obra.

    A essência do Espírito, segundo Hegel, é a liberdade, as propriedades do Espírito seriam meios para se atingir essa liberdade. Hegel não via a liberdade no sentido utilizado pelos Iluministas, e para ele, o fim para o qual a história humana se movia era a liberdade, mas estava relacionada à adoção de objetos universais, como o Direito e a Lei, gerando um Estado que estaria concordando com esses pressupostos.

    É através dos meios que a liberdade utiliza para realizar-se no mundo que poderemos observar os fenômenos da história, e para Hegel, apesar do caráter interior da liberdade, ela utiliza-se dos fenômenos exteriores.

    Hegel expõe que, quando olhamos a história humana, nos parece que os movimentos são guiados pelas paixões, pelas necessidades particulares dos homens e que em um outro momento da vida humana também envolveria objetos mais universais, como a benevolência e o amor à pátria, mas que diante da dimensão histórica, tais objetivos são absolutamente insignificantes; mas o que na verdade seriam fortes motivadores da ação humana, seriam aqueles desejos egoístas e particulares e não os de caráter universal, pois os impulsos particulares seriam mais característicos da natureza humana do que ter que se adaptar as regras morais vindas de fora.

    Os objetivos do homem são colocados em funcionamento a partir de suas paixões, da sua vontade de realizar um desejo, Hegel diz que, se um homem se interessa por algo, seu coração também deve estar nisso, ou seja, são os interesses pessoais que devem ser satisfeitos, o desejo de realizar objetivos pessoais, de retirar vantagens das coisas a partir de suas ações; sendo assim, é a paixão que direciona o homem à determinado objetivo de realização, o individuo é livre para realizar os objetivos para que tendem as suas paixões, nesse sentido Hegel disse que “nada de grande se realizou no mundo sem paixão”1

    Como o exemplo da construção de uma casa, Hegel traz para a construção da sociedade tal analogia: ele explicita então que, as paixões humanas não estão sempre na contramão da realização do universal e da moralidade; ele admite, no entanto que no que concerne à moralidade da própria paixão, ela está aí para realizar interesses próprios; mas o meu objetivo próprio relacionado a minha ação, pode ser um bom objetivo, que tenha proporções universais, mesmo sendo o interesse algo particular, ou seja, nas ações humanas dentro da história, os atos podem ser realizados visando os próprios interesses, mas algo a mais pode vir a ser realizado, que não fazia a priori parte dos objetivos básicos dos interesses de quem o realizou, Hegel coloca um exemplo no texto para fazer uma analogia com essa idéia.

        Há um exemplo análogo na história do homem que, talvez, com razão sedento de vingança, põe fogo na casa de outro para reparar uma injustiça. Surge aqui uma relação entre o fato imediato e outras conseqüências, que são externas por si e que não pertencem àquele fato, tomando imediatamente em si mesmo. O ponto incendiado da viga está unido com os demais pontos, a viga está unida à armadura da casa inteira, e esta a outras casas, e se produz um grande incêndio que consome a propriedade de muitos outros homens, distintos do a vingança estava dirigida, podendo custar até a vida de muitas pessoas. Isto não estava no plano imediato e nem na intenção de quem o fez. Mas a ação contém, uma determinação geral. A intenção do autor era apenas uma vingança contra um individuo, destruindo sua propriedade. (HEGEL. 1989, p. 85).2

    Com relação ao exemplo citado, Hegel acrescenta, que o ato em si recai sobre aquele que o praticou, inferindo nele e o destruindo.

    No desenrolar da história e do seguimento do seu curso, dois fatores são importantes, um deles é a preservação do Estado, de um povo, a preservação ética numa atividade, onde segundo Hegel, participam os indivíduos, uma outra questão é a queda do Estado; o Espírito do Mundo continua seu caminho, a preocupação não está na posição do individuo particular e do seu comportamento moralmente adequado ou não; mas sim, com o desenvolvimento do Espírito, o desenvolvimento está articulado com a destruição do que havia sido anteriormente desenvolvido pelo conceito do Espírito, o que envolve a Idéia e a atividade dos indivíduos.

    As contingências ocorridas diante dos embates entre deveres, leis e direitos existentes que podem destruir a existência a as bases dos sistemas, são considerados os fatos históricos, envolvem uma proposição universal, que difere da que possibilita a existência e permanência de um povo e do seu Estado, esta proposição universal é, segundo Hegel, a fase primordial do desenvolvimento da idéia criadora e apenas os grandes homens da história do mundo conseguem apreender essa proposição universal, nos objetivos pessoais dos grandes homens da história está contida a vontade do Espírito do Mundo, e esses homens devem ser chamados de heróis , Hegel diz, que esses homens históricos não fazem seus objetivos a partir do rumo das coisas dentro da ordem existente, mas de algo que ainda está oculto, ou seja, um espírito interior, mas que já está debatendo-se com o mundo exterior, e nesse sentido, Hegel dá o exemplo de uma casca, pois o que tem em seu interior, em seu núcleo é diferente do que está fora, o que seja a casca mesmo.

    Os homens históricos seriam, pois, os profetas de seu tempo, pois tiram dele como um tipo de visão do que será o próximo estágio necessário do desenvolvimento do mundo, e faria dessa necessidade seu objetivo, mas o trabalho desses homens está direcionado verdadeiramente a sua satisfação pessoal e não à dos outros homens; eles não recebem conselhos de outros, por mais prudentes que sejam tais conselhos, pois é dos homens históricos que surgem as visões dos momentos históricos, eles são os tais profetas de seu tempo e os outros homens o seguem e aderem às suas idéias, obedecendo-os de uma certa maneira.

    No que concerne à felicidade, esses homens que nasceram com a capacidade de se sobressair em seu tempo, que despontam com suas cabeças para fora como os diferentes, como foi dito anteriormente, como profetas, não estão destinados à felicidade, que seria uma característica da vida privada; esses homens históricos nasceram com o objetivo de desafiar, com objetivos grandiosos, constituindo um avanço do Espírito universal; Hegel dá alguns exemplos de homens assim, heróis de seu tempo, como, Alexandre da Macedônia, César e Napoleão, que tiveram finais trágicos no fim de seus objetivos, por provocarem as crises que geram as mudanças no mundo, o Espírito do Mundo reage às novas coisas e se vinga do homem, sendo assim, os homens históricos não são felizes, e Hegel fala da posição dos príncipes, que sendo infelizes em seus tronos, não são invejados, e diz que o homem livre reconhece a grandeza do grande, não a inveja, pelo contrario, a admira.

    O rumo que os grandes homens tomam na história advém de suas paixões, que são a força propulsora de seus objetivos, é essa paixão que fornece a energia para que haja o movimento de suas idéias e de sua ação no tempo, é tanto que Hegel expõe em seu texto que nada no mundo seria feito sem paixão.

    Com citado no inicio desse texto, o que pretende o Espírito é a liberdade, que apenas pode ser concretizada a partir das ações dos homens, ou seja, as paixões particulares desses homens são transformadas em necessidades desse Espírito, sendo assim, um objetivo particular transforma-se numa ação universal, o homem que realiza tais objetivos é chamado por Hegel de homem histórico, a esta conversão do particular do homem histórico no universal do desejo do povo, Hegel chamou de astúcia da razão.




    Bibliografia

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Lecciones sobre la filosofia da historia universal. Madrid: Alianza Editorial, 1989.